Governo italiano
vai fazer para o Brasil painel em mosaico que Portinari prometera a Brasília
Por gestão do professor
João Cândido, filho de Portinari, o governo italiano resolveu concretizar um projeto que o mestre de Brodósqui havia imaginado
para a construção de Brasília em 1958: a realização de uma obra em mosaico para a Capela do Palácio Alvorada, residência oficial
do presidente da República.
Como se sabe, Portinari
não participou da construção da Capital, mas em janeiro de 1958 integrou uma exposição no Rio de Janeiro de todos os artistas
e arquitetos convidados a colaborar com a obra. Dois meses depois, o artista sentiu-se frustrado com a recusa do governo Kubitschek
de executar sua proposta de um mosaico sob alegação de que iria demorar muito tempo e, na época, Brasília tinha pressa.
Portinari gostaria
de pintar um mural, mas os médicos o proibiram de lidar com as tintas porque elas o estavam contaminando e acabariam por vitimá-lo
no início de 1962. Interditado em sua principal linguagem artística passou a desenhar com lápis de cor e, com eles, elaborou
uma maquete para mosaico, representando Cristo e seus apóstolos. Oscar Niemeyer encomendara a obra para a capela do Palácio
Alvorada. Portinari enviou o projeto para Ravena, na Itália, onde um ateliê conceituado
fez o orçamento e solicitou 13 meses para a execução.
Na época, o prazo foi
considerado inaceitável pelos construtores de Brasília. Afinal, a construção civil do Alvorada foi realizada em apenas seis
meses! Recomendaram então ao artista que procurasse fazer uma obra de dimensão reduzida e aqui mesmo no Brasil. Portinari
aborreceu-se e decidiu que não faria mais nada para o governo JK, segundo declarou ao Correio da Manhã, em 11 de março de
1958. Acrescentou, ao final da declaração: ... para alívio de muitos. Na verdade,
dirigia-se a uma única pessoa, o artista Milton Dacosta, que o criticou quando soube que ele faria obras para Brasília. Por
inveja ou qualquer diferença pessoal, o pintor modernista insinuou que Portinari era um mero acadêmico e que Brasília merecia
gente de pensamento mais arrojado. A insinuação apenas apequenou Dacosta, até pelo julgamento da história que aponta Portinari
como o principal expoente modernista brasileiro.
Enfim, o fato é que
a obra não foi feita, mas a maquete do mosaico existe e, por gentileza do Projeto Portinari um trabalho sem precedentes na
história brasileira, que recuperou e catalogou quase cinco mil peças assinadas pelo artista recebi cópias das maquetes feitas
para a Capela do Alvorada.
Entusiasmado, cheguei
a levá-las ao conhecimento do Secretário de Cultura de Brasília, diplomata Pedro Bório, a quem sugeri a idéia de concretizar
o mosaico elaborado por Portinari. Cheguei a sugerir ateliês paulistas, capazes de realizar a obra, mas por algum emperramento
que desconheço na máquina do governo local, a iniciativa não evoluiu. Uma lástima.
Outros companheiros
chegaram a levar a proposta ao conhecimento da Secretaria Geral da Presidência da República, onde foi considerada bem-vinda
porque a intenção do presidente Lula seria a de abrir as portas do Alvorada e da Capela à visitação pública, da forma como
ocorria ao tempo de Juscelino. Também neste caso, no entanto, o projeto não teve seqüência porque o governo petista sentiu-se
acuado quando a imprensa, nas últimas semanas, começou a denunciar gastos excessivos nas despesas palacianas.
Enfim, ontem, dia 19
de novembro de 2003, fui ao Itamaraty assistir ao lançamento do catálogo contendo os esboços realizados por Portinari para
o painel Guerra e Paz, que executou na década de 50 para a sede das Nações Unidas em Nova Iorque. Abordei então o professor João Cândido que, com aquela simpatia característica e devoção religiosa à celebração
da vida do pai, me transmitiu a seguinte informação: O governo italiano vai enviar ao Brasil no primeiro semestre do próximo
ano, um grupo de artesãos mosaicistas de Ravena, municiados de smalti italianos e pastilhas vítreas para realizar no Rio de
Janeiro a obra prometida de Portinari para Brasília. O mosaico será destinado
à capela do Palácio Alvorada, para onde estava prevista, 42 anos após a morte do artista!
E mais: segundo João
Cândido, os mosaicistas italianos ministrarão um curso de mosaico no Rio de Janeiro.
Pronto: final feliz
para a novela do painel de Portinari. A lamentar, apenas, a lassitude dos órgãos responsáveis pela administração pública e
pela preservação cultural do país que não tiveram qualquer empenho decisivo para resolver o assunto através dos mosaicistas
brasileiros, hoje plenamente habilitados a realizar a obra, sem qualquer favor aos profissionais estrangeiros. Afinal, compreende-se
que, há 50 anos, Portinari tivesse que acorrer aos artesãos da Itália, mas repetir essa atitude nos dias de hoje é voltar
ao século passado, de onde, parece, ainda não saímos. Enfim, como dizem os italianos,
meno male já que a obra será feita, finalmente, sem ônus para os cofres públicos, já bastante esvaziados com os serviços da
dívida pública.
Henrique Gougon, 20
de novembro de 2003
PS: Em seguida à recusa
de Portinari de refazer sua proposta, Athos Bulcão foi chamado a decorar a Capela do Palácio Alvorada. Na época, o artista
teve o bom gosto e a humildade de evitar as paredes. Preferiu utilizar o teto com um trabalho tão singelo quanto elegante
(uma cruz e um peixe simbólico) e um vitral para a porta de entrada. Deixou vago para o mestre o espaço parietal que só agora,
depois de mais de quatro décadas, será ocupado segundo a proposta original.